top of page

Conheça um pouco mais sobre a história e cultura de Paraty

Paraty Patrimônio Mundial Misto pela Cultura e Biodiversidade reconhecido pela Unesco

Em 2019, Paraty foi reconhecida como recebeu o título de Patrimônio Mundial Misto pela Cultura e Biodiversidade.

Com cerca de 85% da cobertura vegetal nativa bem conservada, a área do sítio misto forma o segundo maior remanescente florestal do bioma Mata Atlântica. Além da sua extensão, as diferentes fisionomias vegetais permitem a ocorrência de uma fauna e flora incomparáveis, com diversas espécies raras e endêmicas.

O sítio apresenta valor universal excepcional por suas características naturais e culturais, assim como a interação entre elas.  “A Representação da UNESCO no Brasil celebra a inscrição do novo sítio brasileiro na Lista do Patrimônio Mundial. Paraty já é integrante da Rede de Cidades Criativas da UNESCO na categoria gastronomia e, agora, mostra a riqueza da diversidade local se tornando patrimônio mundial misto, ou seja, tanto cultural quanto natural. Formada pelo intercâmbio das culturas indígena, africana e caiçara que se expressam nos bens culturais da cidade, Paraty engloba uma fusão de características próprias do patrimônio material e do imaterial. Ao mesmo tempo, a cidade apresenta exemplos de povos tradicionais que usam a terra e o mar de forma sustentável, demostrando a interação do homem com o meio ambiente. Ao se unir à Ilha Grande, o sítio torna-se ainda mais representativo com áreas de beleza natural excepcional”, comemora a Diretora e Representante da UNESCO no Brasil, Marlova Jovchelovitch Noleto.

Com um importante acervo arquitetônico e ricas paisagens com belezas naturais, a cidade de Paraty recebeu o devido reconhecimento.

O centro histórico se cerca de quatro áreas de conservação ambiental, que abrangem o Parque Nacional da Serra da Bocaina, o Parque Estadual da Ilha Grande, a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul e a Área de Proteção Ambiental de Cairuçu, um território de quase 149 mil hectares.

Segundo a Unesco, os Sítios do Patrimônio Mundial Natural protegem áreas consideradas excepcionais do ponto de vista da diversidade biológica e da paisagem. A proteção ao ambiente, o respeito à diversidade cultural e às populações tradicionais são objeto de atenção especial.

Os Sítios geram, além de benefícios à natureza, uma importante fonte de renda oriunda do desenvolvimento do ecoturismo.

Os investimentos que vem com o título são importantes para o crescimento da região.

A candidatura envolveu o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), em conjunto com o Ministério da Cultura, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural — Inepac, além das prefeituras de Angra dos Reis e de Paraty.

Esse é o primeiro sítio de patrimônio misto do Brasil, ou seja, que inclui bens culturais e naturais. Dos mais de mil patrimônios mundiais, apenas 39 locais, em 31 países, são sítios mistos, como Machu Picchu, no Peru.

A lista de patrimônios do país inclui Ouro Preto (MG), Olinda (PE), São Luís (MA), Cidade de Goiás (GO) e Salvador (BA), o Plano Piloto de Brasília, o Pantanal, as ilhas de Fernando de Noronha e Atol das Rocas, o Parque Nacional do Iguaçu (PR), as Paisagens Cariocas (RJ) e o Cais do Valongo (RJ).

 

Sítio misto

 

O sítio misto abrange um território de quase 149 mil hectares, em que o centro histórico de Paraty se cerca de quatro áreas de conservação ambiental.

Ali estão o Parque Nacional da Serra da Bocaina; o Parque Estadual da Ilha Grande; a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul; e a Área de Proteção Ambiental de Cairuçu.

 

Desde a baía da Ilha Grande, são 187 ilhas, muitas cobertas de vegetação primária. Nesse extenso território, encontra-se um sistema cultural baseado nas comunidades tradicionais onde vemos estreita relação entre cultura e biodiversidade.

A Representação da Unesco no Brasil celebra a inscrição do novo sítio brasileiro na Lista do Patrimônio Mundial. Paraty já é integrante da Rede de Cidades Criativas da Unesco na categoria gastronomia e, agora, mostra a riqueza da diversidade local se tornando patrimônio mundial misto, ou seja, tanto cultural quanto natural.

 

A presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Kátia Bogéa, complementa: “Nós, orgulhosamente, voltamos para casa com esse título na bagagem. Em Paraty e Ilha Grande, uma área com diversas reservas ecológicas, vemos de maneira excepcional e única uma conjunção de beleza natural, biodiversidade ímpar, manifestações culturais, um fabuloso conjunto histórico, e importantes testemunhos arqueológicos para a compreensão da evolução da humanidade no planeta Terra”.

Critérios

Para se tornar um sítio do Patrimônio Mundial da Humanidade, o(s) país(es) que propõe(m) a candidatura deve(m) elaborar um documento que expresse as características do local que atendam a um ou mais dos critérios estabelecidos no Guia Operacional para a Implementação da Convenção do Patrimônio Mundial. Além de votar a inclusão ou não de um sítio, o Comitê do Patrimônio Mundial vota também se o sítio se encaixa em cada um dos critérios propostos na candidatura.

Os critérios reconhecidos pelo Comitê que levaram a inserção do sítio Paraty e Ilha Grande: Cultura e Biodiversidade na Lista do Patrimônio Mundial foram:

Critério V - Ser um excelente exemplo de assentamento humano tradicional, uso da terra ou uso do mar que é representativo de uma cultura (ou culturas), ou interação humana com o meio ambiente, especialmente quando ele se torna vulnerável devido ao impacto de mudanças irreversíveis.

Segundo a candidatura, o quinto critério é observado fortemente no sítio, pois grupos humanos, em diferentes momentos históricos de Paraty, viveram ao lado da paisagem exuberante e exploraram os recursos naturais, terrestres e aquáticos,  formando uma interação entre a cultura e a natureza. As comunidades tradicionais de Paraty baseiam suas atividades na utilização da terra e do mar, sendo a pesca artesanal uma atividade intensa, especialmente nas comunidades caiçara e em torno do centro histórico. Ainda nos dias de hoje, paralelamente aos processos de pesca com embarcações modernas e motorizadas, existem práticas e instrumentos tradicionais herdados das culturas indígena, africana e europeia, que são utilizados pelas comunidades tradicionais.

 

Critério X – Conter os habitats naturais importantes e significativos para a conservação in situ da diversidade biológica, incluindo aqueles que possuem espécies ameaçadas de valor universal do ponto de vista científico ou de conservação

O Sítio Misto está localizado em um dos centros endêmicos da Mata Atlântica e representa uma das áreas de maior diversidade biológica para este local. A biodiversidade acentuada reconhecida por esta área deve-se a fatores históricos e evolutivos associados a fatores geográficos que criaram uma diversidade única de paisagens com um conjunto de altas montanhas e forte variação altitudinal, onde seus ecossistemas ocupam áreas desde o nível do mar até cerca de 2.000 metros de altura. Esta seção da Mata Atlântica representa a maior riqueza de endemismo para plantas vasculares ao longo deste local e também apresenta 57% do total de aves endêmicas da região, o maior percentual encontrado entre as áreas mais importantes para a conservação de aves identificadas na Mata Atlântica.

Unesco

História de Paraty

Paraty é um município brasileiro localizado no litoral sul do estado do Rio de Janeiro, distante 258 quilômetros da capital estadual, a cidade do Rio de Janeiro. Junto ao oceano Atlântico, o território municipal está a uma altitude média de apenas cinco metros do nível do mar. Atualmente, possui 930,7 quilômetros quadrados, com uma população de 39.965 habitantes, representando uma densidade demográfica de 35,6 habitantes por quilômetro quadrado. Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE realizada em 2014, o mesmo ocupa a 43ª posição entre os municípios do estado do Rio por população.

O seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de 0,693, segundo dados de 2010 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD (publicados em 2013), o que é considerado "mediano".

Sua sede distrital está localizada ao nível do mar, em terreno localizado entre os rios Perequê Açu e Mateus Nunes, tendo sido projetada levando em conta o fluxo das marés. Como resultado, muitas das ruas do núcleo histórico colonial de Paraty são periodicamente inundadas pelo mar.

Início do Povoamento Europeu

No século XVI, quando os primeiros europeus chegaram à região de Paraty, esta era habitada pela tribo tupi dos tamoios.[19] Nos primeiros anos do século XVI, os portugueses já conheciam a trilha aberta pelos Guaianás (Trilha dos Goianás) ligando as praias de Paraty ao vale do Paraíba, para lá da Serra do Mar. O primeiro registro escrito sobre a região da atual Paraty é o livro do mercenário alemão Hans Staden, "História verdadeira e descrição de um país de selvagens..." (Marburgo1557), que narra a estadia deste por quase um ano em aldeias Tupinambás nas regiões de Paraty e de Angra dos Reis.

Embora alguns autores pretendam que a fundação de Paraty remonte à primeira metade do século XVI, quando da passagem da expedição de Martim Afonso de Sousa, a primeira notícia que se tem do povoado é a da passagem da expedição de Martim Correia de Sá, em 1597. À época, a região encontrava-se compreendida na Capitania de São Vicente.

O núcleo de povoamento europeu iniciou-se no morro situado à margem do rio Perequê-Açu (depois Morro da Vila Velha, atual Morro do Forte). A primeira construção de que se tem notícia é a de uma capela, sob a invocação de São Roque, então padroeiro da povoação, na encosta do morro. O aldeamento dos Guaianás localizava-se à beira-mar. Em 1636Maria Jácome de Melo fez a doação de uma sesmaria na área situada entre os rios Perequê-açu e Patitiba (atual rio Mateus Nunes) para a instalação do povoado que crescia, com as condições de que os indígenas locais não fossem molestados e de que fosse erigida uma nova capela, sob a invocação de Nossa Senhora dos Remédios. Essa sesmaria corresponde à região do atual Centro Histórico da cidade.

Emancipação Política

A partir de 1664 várias comunidades se registraram entre os moradores, visando tornar a povoação independente da vizinha Angra dos Reis, o que veio a ocorrer em 1670, como fruto da revolta liderada por Domingos Gonçalves de Abreu, vindo o povoado a ser alçado à categoria de vila. Este ato de comunidade foi reconhecido por Afonso V de Portugal, que, por Carta Régia de 28 de fevereiro de 1677 ratificou o ato dando-lhe o nome de "Vila de Nossa Senhora dos Remédios de Paraty".

O Ciclo do Ouro e a Estrada Real

Com a descoberta de ouro na região das Minas Gerais, a dinâmica de Paraty ganhou novo impulso. Em 1702, o governador da capitania do Rio de Janeiro determinou que as mercadorias somente poderiam ingressar na Colônia pela cidade do Rio de Janeiro e daí tomar o rumo de Paraty, de onde seguiriam para as Minas Gerais pela antiga trilha indígena, agora pavimentada com pedras irregulares, que passou a ser conhecida por Caminho do Ouro.

 

A proibição do transporte de ouro pela estrada de Paraty, a partir de 1710, fez os seus habitantes se rebelarem. A medida foi revogada, mas depois restabelecida. Este fato, mas principalmente a abertura do chamado Caminho Novo, ligando diretamente o Rio de Janeiro às Minas, tiveram como consequência a diminuição do movimento na vila.

A partir do século XVII registra-se o incremento no cultivo de cana-de-açúcar e a produção de aguardente. No século XVIII o número de engenhos ascendia a 250, registrando-se, em 1820, 150 destilarias em atividade. A produção era tão elevada que a expressão "Parati" passou a ser sinônimo de cachaça, produção artesanal que perdura até aos nossos dias.

O Século XIX e o Ciclo do Café

Para burlar a proibição ao tráfico de escravos decretada pelo regente Padre Diogo Antônio Feijó, o desembarque de africanos passa a ser feito em Paraty. As rotas, por onde antes circulava o ouro, passaram então a ser usadas para o tráfico e para o escoamento da produção cafeeira do vale do Paraíba, que então se iniciava.

À época do Segundo Reinado, um Decreto-lei de 1844, do imperador Pedro II do Brasil, elevou a antiga vila a cidade. Com a chegada da ferrovia a Barra do Piraí (1864) a produção passou a ser escoada por ela, condenando Paraty a um longo período de decadência.

 

O Ciclo do Turismo

 

A cidade e o seu patrimônio foram preservados e reconhecidos como Patrimônio brasileiro, sendo o núcleo urbano colonial e seu conjunto arquitetônico acautelados pela legislação federal de proteção do patrimônio cultural – lei de tombamento, e redescobertos em 1964, com a reabertura da estrada que a ligava ao estado de São Paulo - a Paraty-Cunha -, vindo a constituir-se em um polo de atração turística. Desse modo, em 1958, o conjunto histórico de Paraty foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional O movimento turístico intensificou-se com a abertura da Rio-Santos (BR-101) em 1973.

 

Na década de 1980 indígenas Guarani M'bya, procedentes do sul do país, instalaram-se no município, nas atuais aldeias de Araponga e Paratimirim.

 

Hoje a cidade é o segundo polo turístico do estado do Rio de Janeiro e o 17º do país. O jornal The New York Times, destacou a cidade como destino cultural mais rico da Costa Verde. Foi uma das poucas cidades que não são capital de estado a receber a tocha dos Jogos Pan-americanos de 2007 nos dias que antecederam os jogos.

História de Paraty

A Monarquia Portuguesa em Paraty

A poucos meses do aniversário de 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Brasil, o príncipe d. João Henrique de Orleans e Bragança diz que ainda nada contra a corrente quando tem de justificar os atos de seus antepassados.
"As pessoas até hoje relacionam o legado monárquico português com o atraso. Tenho sempre que ouvir a ladainha mentirosa que diz que, se tivéssemos sido colonizados pela Inglaterra, seríamos um país melhor", disse, em entrevista à Folha, em sua casa, em Paraty.


A efeméride, que se completará no dia 7 de março de 2008, vai trazer de novo à tona um dos episódios mais importantes para as interpretações da história do Brasil contemporâneo e será comemorada com festas, colóquios, reedições de obras raras do período e lançamentos de novos estudos.


Para o bisneto da princesa Isabel e tataraneto de d. Pedro 2º, também conhecido pelo apelido de "dom Joãozinho", essa será uma oportunidade para que estereótipos e injustiças sejam revistos. "Do mesmo modo como fazia sentido que o novo sistema, a República, tentasse desconstruir os símbolos do sistema anterior, a monarquia, hoje faz sentido que tudo isso seja reinterpretado. O tempo passa, a poeira se assenta, e vamos tendo uma ideia mais límpida da realidade", diz.
D. Joãozinho é um dos vários descendentes da família real que chegou ao Rio de Janeiro no dia 7 de março de 1808. A transferência da corte resultou de um longo processo de negociações diplomáticas entre a coroa portuguesa e seu principal aliado político, a Inglaterra. Fragilizado e ameaçado pela expansão napoleônica na Europa, Portugal reavivou uma antiga ideia de levar para sua colônia mais bem-sucedida, o Brasil, o coração de seu império.


Depois da proclamação da República, em 1889, a família real foi para o exílio. A descendência de d. Pedro 2º só voltou ao Brasil após a morte da princesa Isabel, em 1921. Hoje, os Orleans e Bragança dividem-se entre os "ramos" de Petrópolis e de Vassouras -que conserva o título dinástico legítimo.


D. Joãozinho vem do ramo de Petrópolis, cidade da serra fluminense de onde a família imperial ainda recebe recursos. A fazenda do Córrego Seco, comprada por d. Pedro 1º e depois doada por d. Pedro 2º pelo regime de enfiteuse (no qual o proprietário cede a alguém o domínio de determinada terra mediante pagamento anual) sustenta o escritório da família.
"As pessoas falam que vivemos às custas desse dinheiro, e que ele seria indevido. Mas é mentira. Primeiro, porque o que vem dali não dá para nada, e segundo porque é um contrato legal", diz. Desde que o pai de dom Joãozinho, d. João Maria, instalou-se em Paraty, onde o príncipe hoje vive e administra uma pousada, começou-se a falar de um "ramo" de Paraty.


Para o príncipe, a modéstia nos costumes e nos gastos sempre foi uma constante na casa dos Orleans e Bragança. "D. Pedro 2º morreu pobre em Paris e foi enterrado com um punhado de terra do Brasil. Meus antepassados achavam que tinham de servir o país, não o contrário. Nunca houve pompa na corte, d. João 6º fazia audiências uma vez por semana nas quais qualquer brasileiro podia ir, de pés descalços ou bem-vestidos."


O príncipe também abre suas portas de vez em quando, mas para eventos mais festivos, como saraus literários ou o já tradicional almoço anual que dá para os escritores convidados da Festa Literária Internacional de Paraty. Em 2006, a avó do "new journalism", a norte-americana Lilian Ross ("Filme"), encantou-se tanto com ele que escreveu, depois, uma reportagem sobre o personagem para a "New Yorker".

O príncipe diz que costuma defender o legado da família mostrando vantagens "que para muitos são invisíveis". "Não tivemos de lutar por território, por unidade cultural e de idioma, porque isso nos foi dado por d. João 6º", diz. "Quando chegou aqui, teve uma visão óbvia, de que este seria um grande país, unido e independente. Nunca na história um rei saiu do trono para colocar os pés numa colônia como ele fez."


Se vê injustiças na avaliação da herança política da monarquia, porém, d. Joãozinho diz não se importar muito com os estereótipos relacionados aos membros da família real.


Para ele, o fato de d. Carlota Joaquina ser retratada como uma mulher devassa, ou de d. João 6º ser caracterizado como um bufão, revela um pouco do "jeito brasileiro". "Faz parte da nossa maneira de brincar. Eu não condeno, é importante para nossa auto-estima. O que não podemos é deixar que nossa identidade seja denegrida. Por isso as releituras da história e o trabalho dos intelectuais são tão importantes", diz.


O príncipe acha que a historiografia hoje faz mais justiça a d. Pedro 2º e elogia trabalhos como a biografia recém-lançada pelo historiador José Murilo de Carvalho (Companhia das Letras). "A República tinha medo da popularidade de d. Pedro 2º, por isso a história que se escreveu na época o mostrava debilitado pela saúde e enfraquecido politicamente", diz. "Agora, há um reconhecimento do estadista que deu força às instituições brasileiras."


Do modo como pode, d. Joãozinho diz que tenta seguir o exemplo do tataravô, e viaja sempre pelo Brasil, fotografando. "Hoje, você vai a São Paulo e lê os nomes dos edifícios em que a elite vive, é tudo "maison isso", "jardin aquilo", ninguém dá bola pras coisas do Brasil. Acho que esse é o melhor exemplo que d. Pedro 2º deixou, de que é preciso conhecer e valorizar as nossas coisas."

Monarquia Portuguesa
Comunidades Tradicionais

Comunidades tradicionais

Caiçara

 

Caiçara e um povo que vive no litoral do RJ e de SP que tem uma miscigenação de indígenas, brancos e negros, a cultura deste povo veio com o encontro dos indígenas que já habitavam o local com os novos colonizadores e a população africana trazida para o continente Americano, e vivem basicamente da pesca e alguns cultivos como mandioca e milho; os caiçaras tem um respeito pela natureza, a protegem de forma que só utilizam o que e necessário para o grupo. A canoa caiçara é construída de um modo diferente que só o grupo faz, é esculpida em um tronco de árvore feita por mestres caiçaras, existem pelo menos 40 comunidades caiçaras em Paraty. Suas principais atividades são a pesca, coleta de alimentos na mata, roçado e turismo

Este povo tem uma luta pelo direito de permanecer nos territórios tradicionais. Essa luta começou em 1955, quando inaugurou a estrada Cunha-Paraty (RJ), antigo caminho indígena, assim inaugurando também a conexão dos caiçaras com o resto do Brasil, trazendo os primeiros turistas e também os interessados em adquirir aquelas terras. Em 1974 com a inauguração da estrada Rio-Santos foi selada uma luta dos caiçaras para permanecerem no lugar onde viveram seus antepassados, contra a especulação imobiliária e negociando o manejo junto aos órgãos ambientais para permanecerem nas áreas de preservação ambiental.

 

Indígenas

Há duas aldeias Guarani-Mbya localizadas em Paraty, com terras demarcadas pela F.U.N.A.I, sendo elas:Tekoa Tatim, situada em Paraty Mirim e Tekoa Araponga que está localizada no Parque Nacional da Serra da Bocaina, além disso há um assentamento Guarani-Nhandeva que está situado em Rio Pequeno.

 

Nas duas aldeias os indígenas se dedicam a “vida na mata” - o seu modo de vida - ao mesmo tempo mantêm contato com a sociedade envolvente, tentando preservar sua identidade cultural enquanto absorvem novos hábitos e técnicas no seu cotidiano. Os habitantes das aldeias têm o costume de plantar, pescar, caçar e colher frutas do mato. Precisam cumprir e respeitar as regras e uma conduta divina que são transmitidas pelos xamãs - a cosmologia Guarani.

 

Quilombolas

 

Os quilombolas são territórios étnicos-raciais com ocupação baseada na ancestralidade, no parentesco, e em tradições culturais próprias.

 

Uma das comunidades é a nomeada Quilombo do Cabral, localizado no município de Paraty, a cerca de 10km do centro histórico, no segundo distrito de Paraty-Mirim. Está rodeado por outras comunidades tradicionais de caiçaras, aldeias indígenas Guarani, e o Quilombo do Campinho que surgiu no final do século XIX com a falência do regime escravocrata, e que nos dias de hoje ainda praticam o cultivo e o artesanato, e está aberto para visitas guiadas com o intuito de conhecermos a história dos descendentes africanos, sua luta e resistência, sua cultura, arte e gastronomia.

História Ambiental de Paraty​

A história ambiental considera a relação entre as ciências naturais e ciências sociais. Nasce dentro da história, com três níveis de análise:

1) o entendimento da natureza propriamente dita, incluindo o organismo humano em sua relação com os diferentes ecossistemas e as transformações decorrentes dessa relação;

2) a constituição socioeconômica, isto é, os modos de produção, a cultura material, os meios tecnológicos, o papel que a natureza teve na moldagem dos formas de produzir e, inversamente, que impactos essa produção teve na natureza;

3) as dimensões cognitivas, mentais e culturais da existência humana, que incluem cosmologias, ideologias, valores, leis, visões da natureza e dos significados da vida humana (Worster, 1991). A história ambiental busca relacionar os aspectos socioeconômicos, culturais e ecológicos, ao longo do tempo, de forma coevolutiva, simultânea.

 

A história ambiental traz uma visão de natureza e cultura em permanente movimento e transformação ao longo do tempo. Busca aprofundar o entendimento de como os seres humanos foram, através dos tempos, afetados pelo seu ambiente natural e como eles afetaram esse ambiente e com que resultados. Articula conhecimentos da história, geografia, ecologia e antropologia.

Estudos recentes mostram que hoje o remanescente da Mata Atlântica está em 28%. Houve aumento recente de matas secundárias. A capacidade de resiliência da mata é grande. Só não retorna quando se coloca pastos para gado. Rogério Ribeiro de Oliveira fez uma tese sobre comunidades na Ilha Grande, em que estudou o uso do solo por comunidades caiçaras depois de 15 a 25 anos, comparando com a floresta virgem. Mostrou que a mata se regenera quase completamente após períodos de uso pelo manejo tradicional. Paraty, Angra dos Reis e Mangaratiba são os municípios do Rio com maior preservação de Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro.

Mesmo quando se está diante de uma floresta densa, é possível observar sinais da presença humana do passado. É o que ocorre quando se encontra uma árvore bifurcada, um indicador de que já foi cortada no passado. Outro exemplo é o das figueiras, geralmente os troncos mais grossos numa floresta secundária, pois culturalmente os povos tradicionais não cortam figueiras, devido a uma tradição que remete à Bíblia. Há também uma dimensão cultural de tradição africana que associa elas ao iroko. E não era apenas um tabu para as populações tradicionais, mas também para fazendeiros e colonos de origem portuguesa.

Em Paraty é possível observar áreas verdes que não são matas originais, mas resultado da recuperação da floresta após o abandono de lavouras e pastos. "A maioria das áreas florestadas apresenta vestígios como baldrames de casa, fragmentos de carvão no solo, espécies exóticas ou escapadas de cultivo, explicando a ocorrência de vastas áreas de florestas secundárias" (Oliveira, 2011).

Paraty, como cidade comercial, teve sua prosperidade comprometida por uma simples mudança dos caminhos, quando o Caminho Velho do Ouro perdeu posição para o Caminho Novo, direcionado ao Rio de Janeiro. A morfologia não permitia grandes monoculturas. Em 1794, Monsenhor Pizarro descreve Paraty da seguinte forma:

O terreno do paiz, e limites Paratiianos em que estam as notaveis planícies Bananal,  Paratii-­‐mirim,  e   Mambucába,  (...)  he  assàs  fertil  em  hortaliça,  e  frutos semelhantes aos da Europa, como as ameixas, e produz suficiente mandioca, milho, arroz, legumes, café e cana cuja lavoura se cultiva com actividade maior, para dar exercício à 12 Engenhos de assucar que hoje tem, e 100 fabricas, ou mais, de aguardente, denominadas Engenhocas. (...) o assucar produz (...) 1:500 arrobas: mas a aguardente progressa notavelmente [texto com grafia da época]

Havia uma produção diversificada. A cachaça era considerada muito boa, porque a cana era mais úmida, boa para fazer cachaça. Ficou famosa em Angola, na troca de escravos. No século XIX acontece a expansão do café no vale do Paraíba, mas as condições climáticas não eram tão favoráveis para a cafeicultura em Paraty. Em 1831, foi assinada a primeira lei relativa à proibição do tráfico negreiro. Com o fechamento do cais do Valongo (RJ), o comerciante de escravos Souza Breves, dono de fazendas no sul fluminense, passou a liderar o tráfico de escravos na região, agora ilegalmente. Santa Rita do Bracuí foi um local usado para receber esse fluxo. Havia um gradiente enorme de altitude 1.690 m na passagem de Angra para Minas pela travessia de São José do Barreiro por Mambucaba. Hoje ainda tem calçamento feito por escravos. Encontram-­‐se espécies exóticas, que comprovam que existiram pequenos povoados pela travessia.

Em 1850 foi ratificada a lei de ilegalidade do tráfico internacional, ao mesmo tempo em que se construía a ferrovia D. Pedro II, ligando o Vale do Paraíba ao Rio de Janeiro. É o momento de um declínio acentuado na região, várias fazendas são abandonadas. Mas também em 1850 é aprovada a Lei de Terras, impedindo o acesso à terra aos posseiros e negros libertos, somente seria proprietário quem comprasse ou herdasse. Era o que dizia José de Souza Martins: “o país inventou a fórmula simples da coerção laboral do homem livre: se a terra fosse livre, o trabalho tinha que ser escravo; se o trabalho fosse livre, a terra tinha que ser escrava”.

Em Paraty, algumas comunidades conseguiram permanecer na terra para tirar dela o seu sustento. Com um amplo território sem apelo comercial na ocasião, foi possível que a população residente tomasse as terras, porque não havia disputa. Houve diversos casos em que posseiros e negros libertos passaram a ter terras, constituindo comunidades, que hoje chamamos de tradicionais. Em Martim de Sá há exemplos de fazendas abandonadas que a Mata Atlântica tomou conta.

A paisagem atual, rica em biodiversidade e bem preservada, é resultado de todos esses processos, mas principalmente da relação que essas comunidades tem com o território. É preciso desmistificar a ideia de que as populações tradicionais não modificam seu meio, como se estivessem paralisadas, fora do contexto histórico. Na realidade eles ajudaram a moldar as paisagens que hoje são ressignificadas e apropriadas pelo capital, através de um turismo que muitas vezes olha as "belezas naturais" e desconsidera as culturas que garantiram a preservação dessa natureza.

História Ambiental

História Documental de Paraty

A história se escreve a partir de registros documentais, arqueológicos, iconográficos (e fotográficos) ou testemunhos orais, que costumamos chamar fontes. As fontes não contam a história sozinhas. Elas precisam ser interpretadas por pesquisadores, comparadas entre si e inseridas no contexto histórico de sua época, dado por outro conjunto de fontes e interpretações.

A maioria dos registros escritos da época colonial e imperial são documentos oficiais, emitidos por instituições ou pessoas em posições de poder. Por isso é muito difícil encontrar registros escritos que contemplem a realidade das classes trabalhadoras, da cultura popular, dos indígenas ou dos quilombolas, por exemplo. A aproximação à materialidade da história se dá de forma indireta, com interpretação e até um bocado de especulação. Mas também com responsabilidade e verossimilhança.

Pela cidade é conhecida a história de que Igreja do Rosário foi construída por negros libertos. Mas não há pesquisa sobre quem eram essas pessoas e se a igreja era para eles mesmos. Faltam pesquisa e interpretação sobre as versões não hegemônicas da história.

Nas  restaurações  do  casario  do  Centro  Histórico  descobriu-­‐se  que  as  paredes  das  casas  do século XIX do centro histórico eram coloridas. Quando o IPHAN tombou o conjunto arquitetônico, estabeleceu que o modelo colonial seria branco, então se aplicou um modelo colonial a um conjunto que seria, na verdade, imperial. Se seguisse a metodologia de respeitar as camadas temporais do casario, as casas teriam paredes coloridas hoje e poderia ser um conjunto mais interessante.

Pra comentar a importância da análise documental para uma escrita histórica de Paraty, seguem alguns exemplos documentais e alguns caminhos de pesquisa e hipóteses que eles apontam. Comecemos com um texto de Jozé de Souza Azevedo Pizarro e Araújo, chamado "Memórias históricas do Rio de Janeiro e das províncias anexas", publicado em 1820. Ele descreve o morro além do  Paratii-­Guaçú,  a  Igreja  de  São  Roque.  Não  sobraram  ruínas  desse  período.  Hoje  é  o  chamado Morro do Forte, que abriga o Museu do Forte Defensor Perpétuo.

O território de Paratii foi ocupado pelos portugueses, logo que se estendeu a Capitania de São Vicente, com a cultura [de cana-­‐de-­‐açúcar] das terras ao Norte de sua  costa.  No  morro  além  do  Paratii-­‐Guaçú,  e  distante  dele  mais  ou  menos  25 braças [cerca de 60 metros] para o Norte, assentaram vivenda os novos povoadores, erigindo um templo sob a tutela de São Roque, a quem dedicaram a infante povoação pelos anos de 1600 e tantos. Sendo hoje desconhecida a era desses acontecimentos, a tradição a refere muito longa à memória dos homens, existindo apenas alguns sinais de edifícios levantados no lugar, que chamam Vila Velha.

Nesse período de "1600 e tantos", podemos encontrar outros dois documentos cuja interpretação nos permite compreender um pouco das relações de poder naquela época.

Há um trecho da carta de doação de Sesmaria a D. Maria Jacome de Melo, que data de 1636 (Roteiro Documental do Acervo Público de Paraty, 2011). A carta fala da doação do seu pai, que acreditam ter sido um dos que fundaram o povoado inicial. Falam de uma capitania que chamam de Paraty-­‐Guaçu,  onde  estiveram  os  “índios  Goramenis”.  A  carta  dá  a  entender  que  a  filha  deveria preservar o direito dos índios de permanecerem em suas terras.

A primeira vez que a palavra Paratii aparece na literatura se deve ao Anthony Knivet, viajante inglês, que cita os Guaianás.

 

O livro do Marcos Ribas sobre o Caminho do Ouro lista e comenta documentos,  inclusive  sobre  os  Goramenis.  Acredita-­‐se  que  sejam  os  mesmos  índios,  Goramenis, Goaromimin, Guaianás. Existem poucos estudos sobre esses indígenas. Mas estudos recentes têm mostrado que a escravidão indígena foi bem mais significativa do que se costuma dizer, e que o número de escravos indígenas só foi ultrapassado pelos negros ao longo do século XVIII (ver os estudos de Carlos Alberto Zeron, da USP), e isso fortalece a nossa tese de que os Miramomis ou Guaianás de Paraty tenham sido escravizados.

A interpretação dos documentos nos permite elaborar hipóteses sobre o passado, que demandariam maiores estudos para se confirmar. Seriam os Goaromimins ou Goramenis ou Maromomis os ancestrais dos caiçaras? Alguns dos costumes descritos parecem apontar pra essa possibilidade.

 

Outro caso é a questão da escravidão negra. Salvador Correia de Sá e Benevides (1594-1681) foi um dos homens mais poderosos do Império Português em seu tempo. Descendente dos fundadores da cidade do Rio de Janeiro, Mem de Sá e Estácio de Sá, foi governador da capitania do Rio de Janeiro três vezes. Em 1648, retomou Angola e outras praças africanas dos holandeses que as haviam invadido. Com isso, tomou o controle das principais rotas de captura, venda e transporte de escravos entre a África e a América Portuguesa. Numa carta de 1660 ele manda abrir os caminhos de Paraty para São Paulo e Minas Gerais, que virariam depois o chamado Caminho do Ouro.

 

Como convém ao serviço de Sua Majestade, mandamos descobrir e abrir os caminhos da Vila de Parati para as demais do Sertão e do Caminho de São Paulo, e assim passar aquela vila a estabelecer as minas de seu distrito. Encarrego esta execução ao Capitão e Ouvidor Feliciano Coelho. (Salvador Correia de Sá e Benevides, Alcaide Mor da Cidade do Rio de Janeiro, Governador das Capitanias do Sul do Estado do Brasil, 1660).

 

É mais provável que a abertura deste caminho estivesse relacionada a rotas de comércio de escravos de Angola do que às minas, que não haviam sido ainda descobertas.

Em 1698, finalmente foram descobertas jazidas de ouro e pedras preciosas no vale do Rio da Velha, nas proximidades de Vila Rica, atual Ouro Preto. O caminho que sai das minas e atravessa a Serra do Mar, chegando em Paraty e seguindo por mar até o Rio de Janeiro se torna o mais viável para o escoamento dos metais preciosos. Uma carta régia de 1703 ordena que se construa uma “trincheira de estacas com uma fortificação para a defesa do portão na Vila de Paraty, para se  impedir a quem for para as Minas sem licença, e para registrar as cargas de ouro que se traz e se leva, e assim não descaminhar coisa alguma” (Biblioteca Nacional, Cadernos do Conselho Ultramarino). Muitos atribuem a fundação do Forte Defensor Perpétuo a esta carta, mas é provável que essas pessoas não a tenham lido, já que o Forte não fica no “portão da Vila”, e que outros  documentos parecem apontar que tenha sido construído só em 1822.

Em 1710, o Caminho Velho de Paraty é abandonado como rota oficial, e passa a vigorar o escoamento através do Caminho Novo.

 

Os tambores de Candombe Mineiro do acervo do Forte Defensor Perpétuo datam provavelmente de fins do século XVIII ou início do XIX, e foram encontrados numa fazenda de Paraty Mirim. São um testemunho importante da presença de manifestações afrodescendentes em Paraty nos tempos coloniais e imperiais, e do intercâmbio cultural entre os negros escravizados das minas e os do litoral.

 

É sabido que uma das principais moedas de troca para a aquisição de escravos no litoral brasileiro era a cachaça. Os escravos que eram trazidos de Angola eram aqui trocados por cachaça, que voltava à África, enquanto escravos eram vendidos para outros portos do Brasil e da América Espanhola. A produção de cachaça tem protagonismo em Paraty ao menos desde o início do século XVIII, e atinge seu auge no início do século XIX, onde foram registrados mais de 200 alambiques na Vila.  Ao  que  tudo  indica,  há  um  ciclo  comercial  que  acompanha  os  ciclos  produtivos  de  cana-­‐de-­‐ açúcar, do ouro e do café, que é o ciclo do comércio e tráfico de escravos africanos.

 

Ao longo do século XVIII, a Vila de Paraty teve um pico de florescimento comercial nos anos de 1720, quando as igrejas de Santa Rita e do Rosário foram construídas. Esta última está relacionada justamente à devoção dos negros escravizados. Alguns indícios ainda pouco explorados indicam a presença de um catolicismo negro em Paraty, nos moldes das manifestações típicas de Minas Gerais, como o Candombe Mineiro e as Congadas. No século XIX, documentos comprovam que as Congadas eram festejadas na cidade.

A interpretação é algo subjetivo. Por mais que se esforce para construir uma narrativa que faça sentido, diferentes pesquisadores sempre poderão discordar sobre a interpretação das fontes. Por isso não há nenhuma história que seja definitiva, e nenhuma interpretação histórica que escape aos dados disponíveis e à cultura do próprio tempo de quem a escreveu. O que não quer dizer que se possa dizer qualquer coisa, é preciso que o pesquisador apresente uma narrativa que faça sentido para que ela seja aceita.

 

É muito importante que o ensino de história leve em conta o caráter interpretativo e não definitivo das narrativas históricas, mesmo no ciclo fundamental. O exercício de se contar uma história deve ser tão importante quando aquele de ouvir e apreender uma história na educação. A história de Paraty é particularmente pouco pesquisada, cheia de lacunas documentais e erros simples de interpretação. Cabe aos futuros pesquisadores, estudantes e professores de hoje escrever essa história  e  aprimorá-­‐la,  com  responsabilidade  e  considerando  a  diversidade  dos  saberes,  mas  sem incorrer em relativismos que procuram apagar fatos determinantes da nossa história deliberadamente, segundo os interesses de grupos econômicos e políticos.

História Documental

A Versão Guarani da História

Como era a vida antes da chegada do jurua (os não indígenas)? Nós entendemos o território - Yvyrupa – como uma terra só, onde todos podem viver. Não existia Brasil, Argentina, Paraguai. Paraguai, o que existia era o Centro da Terra, onde os Guarani viviam. O objetivo dos povos nômades era alcançar o oceano (Terra sem Mal), na beira do mar e atravessar o mar. Era o objetivo dos pajés antes da chegada dos portugueses. Nessa caminhada, não tinham obstáculo. Ficavam 1 a 2 anos em um lugar, sem obstáculos. Com a chegada dos portugueses, os guarani não conseguiam seguir os caminhos, tiveram de desviar seus caminhos, se separando em grupos. Isso mudou a forma de organização e gerou novos grupos indígenas.

 

Os guarani eram bem religiosos e não matavam ninguém. Tiveram de fugir para não matar e não morrer.

 

O Serviço de Proteção ao Índio (SPI) contava essa história de Capitão, que liderou algumas comunidades indígenas. Da amizade dos indígenas com alguma liderança para trocarem coisas. Na inocência, o Capitão (um indígena líder) achava que fazia a coisa certa. Com o tempo e muita luta, os povos indígenas em 1988 conseguiram o direito à terra, à sobrevivência, à língua, à cultura.

 

Hoje temos direito de demarcação das terras indígenas, que vai além de só a moradia. E esse direito não é cumprido como gostaríamos que fosse, porque somos atropelados, apesar de estar na Constituição. O direito à educação diferenciada, de qualidade, voltada para nós. Queremos ter o conhecimento do jurua e também o da nossa raiz.

 

Na nossa cultura, não é só a mãe e o pai, mas toda a comunidade que se envolve no cuidado e na educação dos mais jovens. Sobre a educação do jurua, precisamos aprender para poder nos defender. O que ele é? O que ele pensa? Como ele age?

 

Antes, quando eu saía da aldeia, eu não entendia muito bem o que as pessoas estavam falando. E também não conseguia me expressar direito. E senti o uso de falas minhas contra mim mesma.

 

Nossa aldeia fica perto da cidade, convivemos com tecnologia, com celular. Isso é uma preocupação das lideranças, o envolvimento dos mais jovens na cidade. A gente tem uma casa de reza na aldeia em que a gente orienta os mais jovens, mas nunca proíbe. A proibição não funciona, pois os jovens vão querer fazer do mesmo jeito. A gente orienta e diz “é isso que acontece” quando os mais novos se dão mal.

 

Como seria se os mais jovens não se envolvessem com a nossa cultura? É importante os jovens conhecerem sua raiz, quem ele é e para onde ele vai.

 

É importante falar do nosso acreditar. Acreditamos em um espírito. Nhanderu para nós é Deus. Todos os dias eu rezo para ele, que fez a terra, o céu, o mar. Acreditamos no espírito da pedra, do mar. O rio tem o espírito protetor e quando ele sai e vai para outro lugar, o rio seca. Por isso, respeitamos.

 

Quando o jurua entra com trator na mata, a gente fica muito preocupado com o espírito. Se ele se revoltar, é contra a gente mesmo. Espírito a gente respeita. Que pode ser do bem e do mal, depende de como tratamos ele.

 

As lideranças do Brasil estão fazendo uma campanha. Desde 88 nossos direitos sempre foram ameaçados. Mas hoje esse direito de demarcação de terra está ameaçado muito mais. “Ele não!”

Pergunta Iaci: – “Houve algum conflito entre os guarani e brancos ou com outros indígenas?”

Resposta: ­‐ Os guarani sempre foram muito religiosos e evitavam qualquer  tipo  de conflito com outros povos. Se mantinham distantes. A chegada nessa região  era  uma  intenção antes mesmo da chegada do jurua, para chegar numa “Terra sem Mal”, atravessar o oceano.

 

Domingos, professor da UFF que trabalha com Educação Diferenciada nas  aldeias levantou a questão do chamado “marco temporal”,  uma  proposta  de  lei  que  está  sendo debatida. As comunidades indígenas vão ter de provar que moravam no território até 1988. Está se  abrindo  a  possibilidade  jurídica  de  se  entrar  com  recurso  e  se  des-­‐homologar  os territórios. Aqui a Aldeia Sapucai é de 1993. Qualquer dono de resort, latifundiário, pode questionar e tirar a terra deles. Foi usado o laudo da pesquisadora Inês Ladeira, de SP, que levou em conta a cosmovisão Guarani, o mito da Terra sem Males.

Versões da História

A Versão Quilombola da História de Paraty

Uma das maiores violências que os colonizadores fizeram com o povo quilombola foi ter apagado sua história. A história dos quilombos é a sua liga. O povo guarani teve 500 anos de massacre, mas preserva sua história, sua língua. Nós não conseguimos contar a história antiga dos quilombos, dos negros libertos, do papel dos negros na sociedade. Por exemplo, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Paraty, que foi construída no século XVIII, destinada aos pretos escravos que ajudaram na sua construção. Quem eram eles? Como construíram? Não temos documentos, registros, porque a história é contada pelo opressor.

A escravidão indígena também deve ser estudada. Em 1537 houve uma bula papal decretando que o índio tinha alma. Já o negro não tinha alma, era uma peça a ser vendida e escravizada. A escravidão no Brasil foi das mais extensas e  intensas. 

 

Sobretudo  depois  da  proibição em 1831. Quando proibiram, explodiu o tráfico. Ele se intensificou até 1850 -­‐ data em que a repressão ao tráfico negreiro passou a ser mais intensa com a Lei Eusébio de Queiroz. A   região entre Paraty e a restinga da Marambaia era uma reconhecida área de entrada ilegal de escravo até 1850. Em 1878, de cada 4 pessoas no Brasil 1 era negro.

 

Reconhecer como quilombo somente aqueles formados por negros fugidos na época da escravidão é uma narrativa que exclui os diversos outros processos de formação de quilombos. Os quilombos que se constituíam a partir da fuga eram perseguidos, as pessoas recapturadas ou exterminadas. Nós quilombolas sempre fomos muito cobrados, porque não éramos daqui, de lá ou acolá, assim como os guaranis também são questionados. Mas a questão é: como fugidos podem se fixar num local? Quem fugia estava sempre em movimento, logo não deixava registros de sua presença. A contação da história também é guerra. Hoje vemos no Brasil uma disputa de narrativas.

 

O Quilombo de Palmares foi exterminado pela ação dos bandeirantes. Em 100 anos tinha 40 mil habitantes, na serra da Barriga, Alagoas. Existem duas histórias contadas. Uma é a de que Palmares foi dizimada. Mas, imaginem, 40 mil pessoas dizimadas. É muito difícil matar isso tudo numa expedição. A outra narrativa é a de que o povo fugiu e se dispersou. Ou você mata todas as formigas ou um formigueiro vira dez. É a essa narrativa que eu me apego.

Nem todos os quilombos surgiram da mesma maneira. Chico Rei escondia pedras preciosas no cabelo. Ele acumulou, vendeu e comprou sua própria alforria e de outros, constituindo uma comunidade livre. Outros ganharam a liberdade porque guerrearam. Ou porque prestaram serviços religiosos. Ou por gratidão dos fazendeiros. Ou seja, havia várias formas.

 

Das 6 mil comunidades quilombolas que estimamos existir hoje no Brasil, a grande maioria são histórias como estas, que se formaram sem ter como origem o conflito e a fuga. Um exemplo é o Quilombo de Santa Rita do Bracuí, em Angra dos Reis, que também não é de conflitos e fuga, mas de herança de terras de antigos senhores de escravos.

 

Num sítio arqueológico, a evidência da presença negra era o “pilão”, o pilão era  a  “televisão” dos negros da época, era em torno do pilão que famílias e amigos se reuniam para conversar. O Museu do Forte Defensor Perpétuo, de Paraty, tem exemplos de pilões encontrados em Paraty-­Mirim.

Até 1850 o homem era escravo e a terra livre. A partir daí, o homem foi liberto e a terra escravizada. Esse é o modelo capitalista que transforma a terra, que é um bem comum para os povos tradicionais, em “coisa”. Eu vi o meu avô dando um pedacinho de sua terra para alguém como quem dá uma flor. Eu, já envenenado, não gostava disso. Ele não estava dando. Estava compartilhando um bem comum. O sistema já faz a gente pensar a partir de outra cosmovisão e são essas narrativas que estão em disputa.

 

Em 1850, os negros foram novamente excluídos pela Lei de Terras, pois não tinham dinheiro para comprar terras. Em 1888, depois da Lei Áurea, a massa de ex-­escravizados ficou ao léu. Em 1889, com a Proclamação da República, houve o apagamento da história negra do Brasil e   iniciou-­‐se   o   projeto   de   embranquecimento,  o   encarceramento   da  população   negra   e  a criminalização dos seus costumes, como o candomblé,  a  capoeira,  o  samba,  tudo  isso  virou crime. O sistema carcerário brasileiro não é preto à toa. A lei da vadiagem prendia quem não estivesse  com  a  carteira de trabalho.  Ou  seja,  o  ex-­escravo.  E  prendia  os  ex-­escravos  também por cultivarem os elementos de sua própria cultura.

A imigração no final do século XIX e início do século XX se deu com as pessoas saindo de uma Europa destroçada e vindo para o Brasil, cuja elite achava que era preciso embranquecer. A República usou a imigração como um mecanismo de embranquecimento, já que a população era de maioria negra. E em 100 anos da República não houve o reconhecimento dos quilombos. Um abandono muito grande.

Foram percebendo  comunidades  próximas,  como  a  família  negra do Rio dos Meros, depois as do Cabral, as da Pedreira e depois o Campinho. Existe um grande corredor  negro  que  se  constituiu,  ainda  sem  a  rodovia  Rio-­‐Santos.  Era  o Sertão  da Independência, que depois tinha sequência em Ubatuba, onde é Fazenda, Itamambuca, e daí por diante. As principais relações eram com os caiçaras, que os chamava de “os beira-­mar”. Havia também um grande corredor dos “beira-­mar”.

Porém estes corredores estão desaparecendo. A comunidade tem o título quilombola desde 21 de março de 2019. São uma das 3 comunidades do Brasil que serviram de estudo de caso nos anos 1980 para provar que esse povo esquecido deveria ser reconhecido. Também estudaram os expulsos da Base de Alcântara e a comunidade dos Calungas, em Goiás, expulsos pela construção de uma hidrelétrica, que tem o tamanho de 1.000 Campinhos. Só a partir desses casos é que se criaram mecanismos de reconhecimento dessas comunidades.

Isso culminou no art. 68, que não está na Constituição, mas nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que é um anexo da Constituição, pois achavam que só haviam muito poucas comunidades no Brasil. Achavam que a lei teria curta duração e depois se resolveria o problema. Mas está aí há 30 anos e continuamos lutando por ela.

No estado do Rio de Janeiro são 48 comunidades quilombolas identificadas. Em Campos dos Goytacazes está a maior concentração, depois Cabo Frio. Três são tituladas, Campinho da Independência, em Paraty (1999), Preto Forro, em Cabo Frio (2012) e Ilha da Marambaia (2015), em Mangaratiba, onde fica o Centro de Adestramento Militar. Fazemos parte da Associação dos Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro (ARQUILERJ), nossa associação mais representativa, que se articula com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

bottom of page